terça-feira, 9 de agosto de 2011

ESTRATÉGIA E PSICOLOGIA

Durante muito tempo, a teoria da administração caracterizou-se pela busca de universais – pela preocupação em descobrir elementos essenciais a todas as organizações. A descoberta de elementos comuns é certamente necessária, mas estes não fornecem aos profissionais “princípios” que possam ser aplicados com sucesso universal.
Hersey & Blanchard
 
Relativizando contextos e objetos de estudo, talvez seja possível se estabelecer traço comum entre a Análise Institucional, face da Psicologia, e a arte da Estratégia, na medida em que ambas se preocupam com o efeito simbólico das ações ditas racionais. Independentemente do cenário, evidencia-se claramente a potência do valor subjetivo atribuído às consequências observadas de uma ação pelos seus diferentes observadores. Assim, cada observação, cada interpretação, estará sempre permeada por desejos e interesses a “mascarar” a neutralidade do discurso sobre o fato, acontecimento, ou situação. Tal constatação sugere que as chamadas ações racionais não são tão racionais assim, na medida em que seu agente também está mergulhado em desejos e interesses diversos ao realizá-la.
O ensinamento retirado de tais fatos levou a se considerar a Complexidade (Morin, 1999) como paradigma a ser observado. Como se sabe, complexidade e complicação são bem diferentes, na medida em que a complexidade tende à singularidade dos conjuntos, enquanto a complicação tende à impossibilidade de avaliação e solução. O que vem atormentando pensadores, estrategistas e analistas é que, visto deste modo, a singularidade das situações impede que se generalizem soluções, ou se antecipe consequências.
Houve tempo em que a “densidade” intelectual fantasiava “saber soluções”, antes mesmo da situação ocorrer, na medida em que suas generalizações vestiam-se de “dogma” a ser respeitado e seguido. Funcionava como espécie de “bola de cristal” a antecipar acontecimentos. A Complexidade “recolheu” tais intelectuais, substituindo-os por Analistas a observarem o singular e a “inventarem” soluções a partir de alguns princípios exclusivos para a situação observada. Estes princípios são selecionados dentre boa coletânea deles, não sendo algo determinante para todas as situações. A escolha é pura Arte!
Nas Ciências Sociais, quantificações, mesmo que estatísticas, tendem a não funcionar, deixando o pesquisador ao sabor da qualidade de suas interpretações.
É importante, também, sinalizar para a singularidade dos sistemas caóticos determinísticos. Como o nome indica, há certa determinação na evolução de sua trajetória,.contudo, não se pode estabelecer relação linear de causa e efeito para estas trajetórias. Isto quer dizer que a intensidade do efeito não é proporcional à intensidade da causa que movimentou o sistema, deslocando a “densidade” intelectual para o não saber o que virá.
Isto pode ser pensado diante das flutuações da inflação e dos movimentos da Bolsa de Valores, por exemplo, nos quais as expectativas ligadas firmemente aos desejos e interesses dominam a cena. Até recentemente, “fantasiava-se” a existência de uma Lei de Mercado, que poderia ser aplicada às situações Econômico-financeiras como algo universal. O caos determinístico não só desconstruiu esta fantasia, como também àquelas relacionadas a qualquer modelo de controle econômico, ou social, pelo Estado.
Numa tentativa de escapar de conceitos, cujo entendimento entedia, passemos a alguns exemplos em cenários restritos.
A Análise Institucional foi um instrumento popularizado a partir dos anos 60, mas que já mostrava sua necessidade durante e logo após a Segunda Guerra. Naqueles dias, o “bem estar” começava a rivalizar-se com a “linha de montagem” nos planos empresariais. Foi assim que, em 1948, realizou-se uma pesquisa nas empresas americanas, a fim de se descobrir aquilo que os colaboradores realmente valorizavam (Hersey e Blanchard, 1986), em comparação ao que os Diretores/Gerentes imaginavam sobre o que seria valorizado por seus colaboradores.
Num dos questionários, listou-se alguns fatores que deveriam ser ordenados em ordem de importância, do mais para o menos importante. O mesmo questionário foi entregue a Diretores/Gerentes e colaboradores, a fim de serem comparados. Aos Diretores/Gerentes foi pedido que imaginassem o que estariam respondendo seus colaboradores.
Dentre os fatores pesquisados, destacam-se:
· Boas condições de trabalho;
· Estar bem informado;
· Flexibilidade disciplinar;
· Avaliação correta do trabalho realizado;
· Lealdade dos Chefes;
· Bons ordenados;
· Promoção e Crescimento;
· Empatia em relação aos problemas pessoais;
· Estabilidade no emprego;
· Trabalho interessante;
· Etc.
Ao se comparar as respostas, começou a surpresa. Os Diretores/Gerentes imaginavam que o fator mais valorizado pelos colaboradores seria “bons ordenados” em primeiro lugar, “estabilidade no emprego” em segundo e “promoção e crescimento” em terceiro. Já os colaboradores disseram valorizar mais “avaliação correta do trabalho realizado”, seguido por “estar bem informado” e, em terceiro, “empatia em relação aos problemas pessoais”. Agravando o enorme mal entendido, os Diretores/Gerentes imaginaram que a “avaliação do trabalho” seria o oitavo em valor, “estar bem informados” seria o décimo e “empatia em relação aos problemas pessoais” o nono na escala de valor dos colaboradores. Era o côncavo diante do convexo, o de cima diante do de baixo, o verso diante do reverso. Fantasia e realidade gritavam e esperneavam diante daqueles que detinham o poder naqueles universos sociais.
No que refere à Estratégia, este fenômeno repete-se quando se trata de duas Nações, ou dois “exércitos”, a se olhar mutuamente.
Considerando-se que a referida pesquisa realizou-se em algumas grandes empresas da época com centenas de pessoas, foi possível identificar que a distorção de entendimentos poderia ser geral. De alguma maneira, os gerentes e donos de negócio, filhos da Depressão dos anos 30, valorizavam a estabilidade e os bons ordenados, enquanto os colaboradores, filhos da fartura do pós-guerra, valorizavam as relações interpessoais.
Esta poderia ser uma interpretação plausível para a situação específica existente naquele momento. Posteriormente, o que se percebeu nas pesquisas semelhantes foi a insistência do mal entendido entre Chefes e subordinados, ao se considerar o valor das situações. Os sistemas de premiação pareceram inúteis diante desta dissonância.
Nesta mesma época, falava-se em Educação Centrada nas Necessidades do Aluno que, em oposição àquela centrada no mestre que tudo sabia, passava a frequentar insistentemente as pesquisas universitárias. Os Objetivos Educacionais (Bloom, 1973) são desta época. Foram movimentos que deslocaram o foco dos pensadores da teoria para a vida real dos que estudavam e trabalhavam. A Análise Institucional nasceu neste ambiente de efervescência intelectual, no qual o pragmatismo anglo-saxão parecia predominar sobre o racionalismo francês.
O curioso é que, recentemente, apliquei aqui no Brasil um modelo de pesquisa semelhante ao americano de 1948, encontrando resultado aproximado, isto é, uma dissonância na percepção de valores entre Chefes e seus colaboradores. Este fato chamou-me a atenção para a dissonância em si, deixando em segundo plano o conteúdo do que os gerentes e colaboradores valorizavam e suas discrepâncias. Assim, é possível afirmar que há tendência à dissonância quando se diz conhecer o que o outro valoriza.
Como se sabe, a Teoria da Comunicação poderia levantar a ponta desse véu a recobrir a interrogação. Do mesmo modo que já vinha ocorrendo na Educação, o valor do emissor, ou mesmo do conteúdo da mensagem, deslocou-se para o entendimento do receptor da mensagem (Sfez, 1994). Assim, seria preciso decodificar primeiro o sistema simbólico do receptor, a fim de se criar as condições para o entendimento da mensagem. Mais ou menos o que revelou a pesquisa de 1948 em relação aos valores pesquisados.
O Bem Estar entre os colaboradores de uma empresa parece passar antes pela satisfação de desejos e interesses vinculados aos valores despertados pelo contexto, ou ambiente, ou espaço/tempo, isto é, pela situação na qual estão inseridos. No entanto, parecia não ser apenas isto, que estaria por trás da dissonância.
Outro aspecto interessante deste novo universo é o que está ocorrendo com as Teorias Administrativas. Recentemente, ainda se discutia se a melhor estrutura organizacional seria a vertical/hierárquica por Departamentos, se a Matricial, se a por processos, se a Orgânica, e muitas outras bastante sofisticadas. Eram teorias que valorizavam as generalizações em contraposição às singularidades de cada situação empresarial. A idéia era que se poderia ter um conhecimento suficiente anterior à observação do fenômeno, podendo-se newtoniamente “calcular” sua trajetória. Tomando como paradigma os sistemas físicos, os pensadores tentavam contornar, infrutiferamente, a Complexidade e o Caos Determinístico existente nas “entranhas” dos sistemas sociais.
Aproximando-se o terceiro milênio, a “revolução” na Administração passou a se chamar “foco no cliente do produto”, isto é, em quem, de fato, se beneficia com o produto do trabalho realizado. A avaliação final passou a pertencer ao cliente e não mais a um sistema complexo de qualidade total, que impunha modelos, regras e resultados aos processos de produção, não ousando perguntar a quem dele se beneficiava. Os resultados buscavam uma “perfeição” na ótica do produtor, desconsiderando-se o que seria a “perfeição” desejada pelo cliente. Este fato pode ser constatado ao se observar a evolução das Normas ISO, que evoluíram da Qualidade Total imposta pelos processos e resultados para a Confiabilidade do Produto expressada em seu uso pelo cliente.
A “fantasia intelectual” gerou sistemas organizacionais, nos quais estava impregnada a idéia de observação “top down”, de se conhecer soluções antes dos problemas. Ao se acordar deste “devaneio”, a observação inverteu-se para “botton up”, significando que a estrutura organizacional e os processos deveriam se adaptar, a fim de produzir algo confiável para o cliente. Até então, as pesquisas restringiam-se às intenções de compra, havendo pouco acompanhamento pós-venda. Esta inversão trouxe a Complexidade o bojo da Administração, na medida em que “interrogar” tomou o lugar do “saber”.
O interessante desta história é que, não só o cliente final externo, mas o cliente interno do produto de cada fase do processo de produção passou a ser foco de interesse maior, na medida em as avaliações dos clientes sobre o “uso do produto” influem na estrutura do processo de produção. É possível que tenha nascido um Princípio, se é que se pode assim chamar a Complexidade, o Caos Determinístico e o “não saber”.
Neste ponto, ressurge a Teoria dos Sistemas (Bertalanffy, 1969) da década de 30, na qual se sugere que as interfaces entre os elementos de qualquer sistema seria o verdadeiro foco de estudos, não apenas a essência de cada elemento, ou sua função específica. Na verdade, a visão do conjunto seria o importante, na medida em que a relação entre estes seus elementos poderia inutilizar a função última do sistema. Esta teoria incorpora noções de Complexidade, como alertou Morin (1999), isto é, os sistemas sociais são abertos a inúmeras variáveis externas e às internas a eles.
Até aqui, falamos de sistemas sociais. No entanto, os sistemas físicos também obedecem ao mesmo princípio de relação entre seus elementos. A Análise Sistêmica de Falhas (Scapin, 1999) se apóia em dados estatísticos de funcionamento e falha de cada elemento e do sistema como um todo. Um motor, uma televisão, um computador, por exemplo, são analisados deste modo, a fim de se estabelecer as garantias de funcionamento. Talvez seja possível dizer que o pensamento sistêmico passou a ocupar lugar de enorme importância entre Analistas e Estrategistas. Talvez menos entre os intelectuais que presumem saber...
Do ponto de vista Antropológico, é possível dizer-se que há certo renascimento das idéias estruturalistas de linguagem e de relações de parentesco. Levy-Strauss (1996) se refere insistentemente ao fato de que a modificação de um elemento de uma estrutura, modifica-a inteiramente, na medida em que uma estrutura tem caráter de sistema. Imagine-se a situação, na qual ocorre intensa rotação de Chefes. Nelas, a cada “rotação”, aparece um novo sistema carecendo de tempo de maturação.
Também Saussurre (2004) acorda um tanto assustado, quando a pragmática (Marcondes, 2005) “desconfia” da semântica e recorre a alguns de seus conceitos. Assim, o sentido do significante passa a depender do contexto de inserção, isto é, de sua relação com outros significantes, não tendo significado que transcenda ao seu uso concreto pelo falante. Assim sendo, é preciso saber-se o que entendem por “estar bem informado”, ou “avaliação correta do trabalho”, tanto os Diretores/Gerentes, quanto seus colaboradores.
Finalizando, é provável que os Analistas e Estrategistas, necessitem recorrer à Complexidade, ao Caos Determinístico, à Antropologia Estrutural, à Pragmática e ao Pensamento Sistêmico, a fim de avaliar o efeito simbólico de seus planos e ações. A “consistência” e a “densidade” dos saberes desmoronam diante de um sistema, cujo movimento não possui a intensidade, o sentido e a direção proporcional à “causa intencional”, que o provocou.
O que se percebe é que, de fora, os sistemas sociais estão sujeitos às interpretações diversas. Nada se sabe antes de se perguntar o que realmente desejam seus integrantes, ou pelo que realmente se interessam. A “interrogação” passou a ocupar o lugar da “afirmação”.
Espera-se que as analogias aqui desenvolvidas não venham a macular saberes antecipados. Na verdade, o que se pretendeu foi sinalizar para questões atuais relacionadas às ciências sociais, nas quais incluímos a Psicologia das Instituições e sua Análise Institucional, bem como a Estratégia, incluindo ai as “visões” sobre a estrutura simbólica daqueles, que observam as intenções e ações dos Estrategistas.
 
A liberdade das escolhas está no risco de não se saber.
Quando se pensa que sabe, perde-se o riso da ingenuidade.
Perde-se o caminho para a felicidade e a paz.
Perde-se a fé!
FIM
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERTALANFFY, von Ludwig. General System Theory. New York: George Braziller, 1969.
BLOOM, B. S.; ENGELHART, M, D; FURST, E. J.; HILL, W, H; KRATHWOHL, D. R. Taxionomia dos objetivos educacionais: domínio cognitivo. Porto Alegre: Globo, 1973.
BLOOM, B, S.; KRATHWOHL, D, R.; MASIA, B, B. Taxionomia dos objetivos educacionais: domínio afetivo. Porto Alegre: Globo, 1973.
HERSEY, Paul; BLANCHARD, Kenneth. Psicologia para administradores de empresa: a teoria e as técnicas da liderança situacional. São Paulo: EPU, 1986.
LEVY-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
MARCONDES, Danilo. A Pragmática na filosofia contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. 26 ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
SCAPIN, Carlos Alberto. Análise sistêmica de falhas. Belo Horizonte: DG, 1999.
SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 1994.

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