terça-feira, 9 de agosto de 2011

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

1 Introdução

A avaliação do desempenho é um assunto bastante estudado pelos especialistas em Recursos Humanos. Em seus livros, descrevem a evolução e os modelos de avaliação do desempenho mais empregados até um passado recente, bem como tecem alguns comentários críticos acerca do que chamam de modelos tradicionais. Em toda bibliografia pesquisada, a proposta final de cada autor é invariavelmente a indicação de uma espécie de integração entre aqueles modelos, que consideram mais adequados às condições dos mercados e das sociedades contemporâneas.

Neste trabalho, o objetivo não é percorrer e descrever os modelos de avaliação do desempenho, todos já bastante estudados por tais autores. O enfoque aqui proposto é pensar como a avaliação do desempenho pode contribuir para a transformação do modelo de gestão com enfoque analítico e verticalizado.

Fundamentalmente, todos os modelos de avaliação do desempenho procuram superar a força da subjetividade, que domina o espírito dos avaliadores durante este processo. Nessa tentativa, o processo acaba sendo burocratizado por um conjunto de regras cerceadoras da liberdade de se interpretar a situação, não produzindo o efeito desejado, que seria distinguir dentre os desvios ocorridos no sistema de produção, aqueles que estivessem relacionados ao desenvolvimento de Recursos Humanos, por exemplo.

O modelo burocratizado pode ser superado, se o olhar for direcionado para a finalidade do sistema de avaliação do desempenho, isto é, se o ângulo de visada permitir vislumbrar além do seu objetivo. Esse objetivo, como se sabe, é identificar desvios de conhecimento, habilidade e atitude, tomando como referência os padrões de desempenho existentes. O porquê desse objetivo é que parece ser o diferencial, que parece ser aquilo que clarifica a função da metodologia a ser aplicada.

Assim, pensar numa avaliação do desempenho que tenha por finalidade treinar, promover, premiar, substituir pessoas, além de outras ações dirigidas ao universo exclusivo dos recursos humanos, é reduzir o universo de possibilidades deste processo. Olhando do ponto de vista sistêmico, o referido reducionismo seria contornado, na medida em que o foco seja ampliado para a interação entre os elementos do sistema produtivo, bem como para a função dos subsistemas e o resultado obtido pelo sistema avaliado.

A finalidade de um sistema, ou subsistema de avaliação do desempenho é contribuir para a realização dos resultados esperados pelo sistema de produção da Instituição, ou até mesmo melhorá-los, identificando os elementos menos energizados e lhes transferido a energia necessária para o crescimento desejado. Resultados esses não apenas relacionados às quantidades, mas às especificações, à confiabilidade e aceitação dos produtos pelos consumidores, assim como dos prazos e indicadores de segurança. Portanto, ao se estruturar o modelo de avaliação, é preciso não se perder de vista que sua finalidade é dirigida para os resultados finais a serem obtidos pela instituição e não apenas para a consecução dos objetivos setoriais e específicos, ou de julgamento do comportamento dos sujeitos da instituição.

Essa visão facilita a transição para a abordagem sistêmica da administração, na medida em que há necessidade do gerente visualizar o processo global de produção e os resultados alcançados, a fim de mais bem avaliar a situação da unidade industrial em relação ao esperado para os recursos humanos. Assim sendo, há necessidade de se construir as referências de avaliação a partir de valores objetivos para os resultados globais a serem alcançados e de valores culturais existentes na instituição.

2 COMUNICAÇÃO E AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

Se olharmos uma atividade qualquer, o que se pretende dizer é que é necessário descrevê-la com alguma nitidez, para que objetivo acima descrito seja alcançado. Assim, o como fazer (sucessão de procedimentos) deve estar bem descrito; o porquê fazer, que define sua finalidade e lhe dá sentido, precisa ser bem entendido pelo executante e pelo avaliador; bem como os resultados a serem alcançados pela atividade, tais como a especificação, a confiabilidade[1] e a aceitação esperada para os seus produtos[2].

Com esse universo estabelecido, é importante dizer que a avaliação do desempenho pode desmotivar, quando incorre em alguns desvios de rota. Sobre isso, Bergamini (1988) assim se refere:

No afã de buscar a melhor técnica, de disparar o melhor processo, de criar os melhores parâmetros de comparação entre avaliados, fez, não raro, que o responsável por todos esses procedimentos passasse a cronificar sua atenção naquilo que pode ser considerado como meio instrumental, esquecendo-se dos fins ou objetivos a serem colimados[3].

É interessante como o sujeito se concentra na seqüência de procedimentos, esquecendo-se de sua finalidade, ou seja, para que está fazendo tudo aquilo. O autor deste trabalho teve a oportunidade de entrevistar alguns trabalhadores sobre detalhes de seus trabalhos e, invariavelmente, ao perguntar qual seria o produto de responsabilidade de cada um, recebia como resposta o que cada um fazia, não o resultado do que fazia. Como exemplo, ao se perguntar a um técnico mantenedor de um equipamento qual era seu produto, a resposta era “manutenção do equipamento”, e não o resultado da atividade, isto é, “equipamento revisado e garantido por tantas horas de funcionamento”. Um serviço é medido pelo seu resultado, não por sua natureza.

Ao aprofundar a interpretação dessa resposta, percebe-se que o foco do entrevistado estava na atividade e não na sua conseqüência, que seria, na verdade, o seu produto. A pergunta formulada não foi sobre sua função, ou sobre a natureza da atividade, mas sobre o seu produto, isto é, o produto específico resultante de sua atividade. Na verdade, repetindo-se, o produto seria “equipamento revisado e etc” e não revisão do equipamento, que é muito genérico e se refere à natureza do serviço.

Só é possível avaliar objetivamente o trabalho do técnico através do comportamento esperado para o produto de sua responsabilidade, na medida em que há necessidade de se garantir que, na realização da atividade, serão obtidas as especificações, a confiabilidade e a aceitação previstas. Por ter sido elaborado pelo setor de engenharia, tanto este setor, quanto o plano de manutenção, devem ser avaliados segundo os resultados objetivos alcançados, isto é, avaliando-se o comportamento do produto durante o uso e a sua conseqüente aceitação.

Discriminar entre a responsabilidade do técnico, que realiza o plano de trabalho, e a do engenheiro, que elabora o plano, é de responsabilidade do gerente dos dois profissionais. Como cada um fica responsável por um produto específico e mensurável, é possível sustentar-se um processo de avaliação com características objetivas.

Não obstante possa existir um plano de avaliação e um método, ambos bem concebidos, quando o processo de avaliação do desempenho é mal conduzido, faz com que o sujeito “deixe sua cabeça e seu coração na porta da empresa”[4], esquecendo “lá fora” a finalidade do seu trabalho, isto é, pode talvez realizá-lo com eficiência, mas despreocupa-se com a eficácia[5] do que faz. Portanto, há necessidade de um método que garanta resultados desejados, de um plano[6], que balize o processo de avaliação, e de uma condução da execução apropriada. Sem esse tripé, será difícil concretizar a finalidade do sistema, isto é, que o sistema de avaliação do desempenho realize sua função.

Assim, a avaliação do desempenho tem três focos racionais e objetivos, um dirigido para a eficiência (como foi feito), outro para a eficácia (o que foi obtido), e um terceiro para a efetividade, que é o modo de aceitação do produto. Contudo, há uma avaliação que não pode ser esquecida, ou seja, é preciso avaliar a atitude do sujeito frente ao seu trabalho. O que se constata é que, sem uma atitude positiva daquele que trabalha, ocorrem anomalias de eficiência, de eficácia e de efetividade no processo de produção.

Esse terceiro foco é que vai permitir, dentre outras coisas, avaliar o próprio sistema de avaliação. Em outras palavras, avaliar se o sistema de avaliação está desmotivando o sujeito e impedindo que os resultados finais sejam alcançados pela produção. Se os três primeiros focos racionais estiverem seguindo os princípios que orientam a metodologia de avaliação, a condução do processo pode estar sendo afetada pela atitude do avaliador.

As distorções no processo de avaliação aparecem em vários momentos da atividade gerencial. Muitos gerentes contemporâneos, paradoxalmente, ainda pensam que o sistema de castigo e premiação é a espinha dorsal da motivação. Esse fato caracteriza uma distorção importante na avaliação da situação de recursos humanos por parte do gerente. Avaliar um desempenho é a atividade mais sofisticada de todo processo de desenvolvimento de recursos humanos, na medida em que é o ponto onde tudo termina e, de fato, tudo se inicia.

A causa dessa distorção, isto é, a adoção do modelo comportamental que considera o condicionamento como o fundamento gerador da (re)ação do sujeito, pode estar no fato deste modelo ter imperado (prevalecido) por muitos anos nas instituições brasileiras sob a influência do modelo de gestão americano típico do pós-guerra. A Psicologia Behaviorista forneceu o suporte científico para as conclusões dos autores, que olham o sujeito pelo ângulo do condicionamento, distorcendo uma leitura mais complexa da “alma” humana. Sobre isso, Bergamini (1988) assim se refere:

Uma vez que a motivação seja um impulso que vem de dentro do trabalhador, ninguém consegue motivar ninguém dentro da empresa. Pensar que punições e reforços negativos fazem desaparecer comportamentos indesejáveis é um mito, como também é um mito o fato de recompensas fazerem com que as pessoas passem a exibir comportamentos que desejamos[7].

Mais adiante, Bergamini (1988) sugere que a visão behaviorista é geradora de malefícios para o sistema gerencial:

A Avaliação do Desempenho pode ser um instrumento de revitalização de consideração behaviorista sobre o homem. Como já temos conhecimento de sobra sobre os malefícios que tal consideração pode determinar na vida de cada um em particular e da empresa como um todo, é melhor evitar que isso ocorra[8].

As distorções no processo de avaliação, como tudo indica, partem de um equívoco acerca da natureza do sujeito. Como já foi defendido no artigo anterior, não há uma essência nessa natureza, que permita saber-se como vai se comportar um sujeito neste, ou naquele contexto. O que se tem são tendências, são probabilidades, que não garantem resultados. Assim, avaliações confiáveis que, paradoxalmente, considerem a incerteza, tornam-se um instrumento decisivo no processo decisório.

3.  PSICOLOGIA E COMUNICAÇÃO NA AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

Hersey e Blanchard (1986) fizeram uma análise acerca da liderança no ambiente gerencial e, no seu livro sobre liderança situacional, relataram uma experiência realizada em empresas americanas no pós-guerra, na qual se procurava identificar as diferenças de percepção entre os trabalhadores e seus respectivos chefes. Os pesquisadores indicaram algumas possíveis necessidades e pediram para que ambos os grupos as classificassem em ordem de prioridade. Aos chefes, foi solicitado que imaginassem e retratassem como os empregados priorizariam suas necessidades. Como já se poderia antecipar, os chefes avaliaram a situação segundo suas próprias interpretações, desconhecendo as necessidades reais dos empregados.

No Quadro abaixo[9], adaptado dos autores acima mencionados, fica clara essa discrepância no resultado da pesquisa.

Quadro 1: Conflito de percepções sobre as necessidades. Adaptado de Hersey e Blanchard (1986)
Necessidades
Empregados
Supervisores
Apreciação integral do trabalho feito
1
8
Sentir-se “por dentro” das coisas
2
10
Compreensão acerca dos problemas pessoais
3
9
Segurança no emprego
4
2
Bons ordenados
5
1
Trabalho interessante
6
5
Promoção e crescimento
7
3
Lealdade da administração
8
6
Boas condições de trabalho
9
4 
Disciplina discreta
10
7

O interessante do quadro acima é a disparidade entre, por exemplo, as duas primeiras indicações de cada grupo analisado. Enquanto os empregados escolheram, pela ordem, apreciação integral do trabalho e sentir-se “por dentro” das coisas, necessidades relacionadas à identidade do sujeito, sua capacidade de realizar o trabalho, o reconhecimento pelo trabalho bem feito e a percepção das condições para a satisfação destas necessidades, os supervisores indicaram, pela ordem, bons ordenados e segurança no emprego, necessidades relacionadas à sobrevivência física do sujeito e à possibilidade de realizar desejos e necessidades fora do ambiente de trabalho. Apenas olhando as duas primeiras opções, é possível imaginar-se a quantidade de problemas de relação, originados a partir dessa discrepância de percepções entre grupos de sujeitos.

Enquanto os empregados tinham a expectativa por uma satisfação, cujo objeto era intangível e dependia da relação entre eles e seus gerentes, o que lhes seria oferecido, a partir da diferença entre as percepções, seria um objeto tangível que não corresponderia às necessidades, que impulsionavam seus motivos. Naturalmente, é mais fácil pensar-se na objetividade dos salários do que no reconhecimento do outro como sujeito que tem necessidades específicas, contextuais e intangíveis.

Assim, não é complicado se entender o porquê de muitas empresas brasileiras, e sob muitos aspectos também as Forças Armadas, adotarem, ainda hoje, uma visão comportamental da avaliação do desempenho de recursos humanos. Essa é uma herança difícil de ser superada, em virtude da simplicidade reducionista de seu entendimento sobre natureza humana e da facilidade de absorção de suas “verdades” pelos gerentes pouco afeitos a estudar a “alma humana”.

Contudo, como bem mostrou Freud (1914) em sua psicanálise, o sujeito se constitui a partir do outro, na medida em que dele depende em sua prematuridade. Como adulto, continua precisando que se lhe mostre como funciona a cultura, na qual está inserido, e que se reconheça o “bem feito” por ter aprendido a fazer adequadamente.

O inconsciente não tem idade, é atemporal, brota do fundo da “alma” sem controle da consciência. O que o sujeito sente e precisa muitas vezes não é da ordem da racionalidade, que busca padrões gerais de entendimento. Em situações especiais, a emoção brota do inconsciente, repetindo reações aprendidas no passado infantil. Potencialmente, a singularidade do sujeito transforma a relação num sistema mergulhado na complexidade, onde o que é verdade para um não pode ser transferido para o outro de forma linear e direta. Nesses termos, se a percepção da necessidade básica é sempre diversa entre um e outro do diálogo, tal como a árvore é percebida de modo diverso pelo madeireiro, pelo ambientalista e pelo poeta, estaria estabelecido o caos na comunicação institucional?

Antes de seguir com o argumento sobre a possível impossibilidade da comunicação, é necessário recorrer a algumas conclusões da lingüística estrutural de Saussure (1910). Este autor considera a língua como um sistema complexo, em virtude da quantidade de signos e da infinidade de combinações entre eles. Além disso, mostra que o signo é arbitrário e é estruturado pelo conjunto do significado (conceito) e do significante (imagem acústica)[10] .

Mais à frente, Saussure (1910) revela o que quer dizer como sistema lingüístico, diferenciando o que é significação, originada no conceito, e o que é valor, originado na relação entre os signos:

Visto ser a língua um sistema em que todos os termos são solidários e o valor de um resulta tão somente da presença simultânea de outros (...)[11].

Portanto, percebe-se que o sentido da fala, ou do pensamento, se dá no fato da estruturação entre a estabilidade relativa do vínculo entre o significante e o significado e o deslizar do valor do signo. Valor que se vale da infinidade de possibilidades de articulação entre os signos, podendo transformar a comunicação num grande mal entendido.

Discutindo a sincronia da língua, isto é, suas regras de relação entre os signos, e a diacronia, que enfoca a história dos signos, o lingüista procura mostrar a diferença entre um enfoque e outro:

Para mostrar simultaneamente a autonomia e interdependência do sincrônico e do diacrônico, pode-se comparar a primeira com a projeção de um corpo sobre um plano. Com efeito, toda projeção depende diretamente do corpo projetado e, contudo, dele difere, é uma coisa à parte. Sem isso, não haveria toda uma ciência das projeções; bastaria considerar os corpos em si mesmos. Em lingüística, existe uma relação entre a realidade histórica e um estado da língua, que é como a sua projeção num momento dado.[12]

Com tais colocações sobre a língua, é inescapável a consideração de que o sistema que garante a comunicação entre sujeitos não esteja imerso em complexidade. Isto é, esteja além da linearidade cartesiana, na qual o signo se desloca entre contextos sustentando um valor transcendente, não aquele valor atribuído pelo sujeito que articulou tais signos na sua fala.

Principalmente ao pronunciarmos, por exemplo, manga, sem dizer a que imagem mental se refere esta imagem acústica, isto é, a que se refere este significante, a fim de se obter um significado e reconhecer o signo. A imagem mental estará aprisionada ao valor a ela atribuído pelo sujeito que ouve, podendo ser qualquer uma, desde a fruta, a manga de uma camisa, a de um paletó, ou a manga de uma lâmpada, não necessariamente coincidindo com a imagem mental de quem fala.

Ao articular os signos contextualizando a fala, a fim de permitir a coincidência entre as imagens mentais e sonoras, isto é, que os mesmos signos se presentifiquem entre o transmissor da mensagem e quem a ouve, a comunicação manifesta o universo sistêmico e complexo da linguagem. Ainda assim, mesmo que as imagens coincidam, a comunicação pode ser entre um lenhador e um poeta atribuindo valores singulares ao percebido.

Como já foi exposto anteriormente, Freud (1925) descreveu a função do juízo, na qual se admite uma existência à coisa e, ao mesmo tempo, se lhes atribui, ou retira, algumas propriedades[13]. Tais propriedades levariam o sujeito a desejar incorporar a coisa, ou a expeli-la, de acordo com os atributos e valores a ela transferidos. Portanto, não basta concordar com a existência de algo, é necessário compreender os atributos e valores que o outro sujeito do diálogo outorga à coisa existente.

Lucien Sfez (1994), ao criticar a comunicação fundada na chamada lógica cartesiana, sugere uma impossibilidade neste processo. No entanto, sua crítica vai além e procura contornar o paradoxo da impossibilidade de comunicação a partir da complexidade da linguagem, tal como propôs Saussure (1910) em seu Curso de Lingüística Geral, ou como propôs Morin (1999) em sua Ciência com Consciência. Sobre o paradoxo da impossibilidade, Sfez (1994) assim se expressa:

A idéia de uma realidade objetiva conduzira a uma linguagem denotativa para descrevê-la; como essa realidade desmorona na percepção subjetiva de cada observador, a única linguagem adequada para as trocas seria uma linguagem conotativa. Paradoxo insustentável e sobre o qual, não obstante alicerçamos nossas ações: é ao mesmo tempo necessário comunicar-se – para compreender os organismos vivos, suas interações, e para agir sobre eles – e impossível fazê-lo, já que tudo depende de nossa subjetividade.[14]

Em sua crítica, Sfez (1994) não elimina a lógica cartesiana da comunicação, mas a identifica incompleta e reducionista, para explicar este processo. Por outro lado, se a comunicação estiver imersa na subjetividade e na complexidade, tornar-se-á impossível sua ocorrência num caos de sons e de valores. Linearidade e complexidade, entendimento e incerteza, são visões complementares da mesma realidade, isto é, há uma face na comunicação que tenta amarrar um sentido comum, enquanto outra viaja pelo universo narcísico da subjetividade do sujeito.[15]

Sobre a representação, Sfez (1994) se refere à separação entre sujeito e objeto. Isto leva os teóricos da linearidade a representar a comunicação como a mensagem que o sujeito emissor envia a um sujeito receptor através de um canal, acrescentando todas as possíveis teorias acerca dos ruídos na comunicação, justificando assim os mal entendidos. O reducionismo permite admitir a possibilidade de eliminação do ruído e a existência de um modelo de comunicação ideal e sem falhas.

Por outro lado, a complexidade sugere que não há um sujeito emissor de mensagem que garanta a boa comunicação, nem a possibilidade de eliminação do ruído no processo de comunicação. A comunicação ocorre num ambiente complexo entre dois sujeitos em si também complexos.

Assim, o sujeito faz parte do ambiente e o ambiente faz parte do sujeito. Os parceiros da comunicação não perderam inteiramente suas identidades, mas superaram o dualismo cartesiano entre o sujeito que representa e o objeto representado e construíram uma relação entre sujeitos. Na relação entre sujeitos as representações deslizam em seus valores e a sua troca incessante na busca do entendimento será a única condição de possibilidade para a compreensão.

Na verdade, todo diálogo é um contrato com o mal entendido, que, paradoxalmente, só se resolve no próprio diálogo. É nessa “circularidade” que repousa a liberdade e a democracia, na medida em que essa visão da realidade destrona o poder do transmissor para coagir e convencer, deslocando o sentido da mensagem para o receptor que, por sua vez, precisa retorná-la ao transmissor, o qual, paradoxalmente, é transformado em receptor.

Assim sendo, fica mais claro o motivo que levou os gerentes “comportamentais” retratados por Hersey e Blanchard (1986) a interpretarem as necessidades dos trabalhadores de forma equivocada. Contudo, o simples fato de se ter realizado a pesquisa criou as condições para o estabelecimento da “circularidade” acima referida, na medida em que se evidenciou um mal entendido na comunicação e a necessidade de se buscar o entendimento sucessivo.

Sfez (1994) chamou de “representação” a rigidez cartesiana e linear, metaforizada pela bola de bilhar, que, ao ser impulsionada pelo jogador, choca-se com as demais, determinando seus destinos durante o jogo; de “expressão”, chamou a ligação interna produtora de sentido, da qual participam os sujeitos. Sobre isso, referiu-se a um modelo de relação que, embora horizontal e possuindo retroalimentação, guardavam as características de previsibilidade do modelo vertical, linear e mecanicista. Ao incluir o que chamou de “creatura”, o modelo linear desmoronava, dando lugar à complexidade do sujeito e à incerteza do entendimento, a serem amenizadas pela “circularidade do circuito” da fala e da comunicação.[16]

Se voltarmos o olhar para a simplicidade das observações de Piaget acerca do desenvolvimento moral das crianças, é possível imaginar o grupo tentando jogar bola de gude partindo de regras diferentes. Cada regra teria uma descrição de como seria a realidade do jogo e, embora todas racionais, guardam um valor para cada jogador, que desloca o diálogo para a zona do mal entendido. A tradição incorporada na regra de cada um aprisionava o jovem jogador na ilusão de uma natureza, ou de uma transcendência, por trás da realidade cultural, como se tudo fosse assim desde sempre, como se a herança cultural fosse filogenética.

O amadurecimento chega quando os jovens percebem que as regras para o jogo dependem do contexto, isto é, há sincronia nelas. Além disso, o jovem descobre que as regras são arbitrárias, escolhidas, não havendo herança natural, ou transcendental, que as garanta. As novas regras precisam ser acordadas, caso contrário não há um jogo e as satisfações serão frustradas. Assim, o jovem aprende a estruturar o seu ambiente, definindo o que seria um bem e o que seria um mal durante o jogo, bem como o valor do prêmio e do castigo ao seu final. Nessa experiência singela, na qual a “circularidade” da comunicação na busca do entendimento foi exercitada em sua plenitude, encontramos retratado o amadurecimento dos grupos sociais e, muitas vezes, o de uma nação inteira.

Como se sabe, avaliar é atribuir valor, é estimar ou apreciar um merecimento. Merecimento em relação a referenciais de preferência objetivos, não obstante com altas doses de subjetividade, na medida em que a percepção da realidade pelo sujeito gerente, nem sempre é atraída por referenciais mensuráveis, estando constantemente aprisionada em modelos ideais projetados nesta realidade. O ideal é o passado e o que se deseja é alguma coisa no futuro incerto. Portanto, criar referências não é “cloná-las” de outros contextos, diagnosticando desvios no aqui e no agora, a partir do que já foi um dia em um outro lugar.

É preciso relembrar constantemente este fato, a fim de se sustentar um discurso, que traga o avaliador de desempenho para complexidade, para a incerteza; que o afaste da possibilidade de reconhecer nas entrelinhas de suas leituras o “espírito” analítico cartesiano, embora, paradoxalmente, ele esteja circulando entre as palavras deste texto como um fantasma do passado.

Numa tentativa de contornar a subjetividade do gerente e do que chamou de subordinado, Hersey e Blanchard (1986) propuseram um modelo flexível de liderança, ao qual chamaram de “Situational Leadership”[17]. Nesse modelo, a atitude do líder frente ao liderado depende de um processo de avaliação bastante sensível, no qual este líder deve identificar o grau de maturidade do liderado, a fim de estabelecer um relacionamento interpessoal. Todo o modelo está sustentado por uma sofisticada avaliação do desempenho, que depende do líder interpretar a relação entre a conjuntura e o comportamento do sujeito, a fim de estabelecer um relacionamento adequado[18].

Esses autores definiram a maturidade do sujeito a partir de dois focos bastante abrangentes. No primeiro, situaram a Maturidade no Trabalho, que se relaciona com a capacidade de se realizar uma atividade, ou tarefa; no segundo, encontra-se a Maturidade Psicológica, que está relacionada à motivação, para realizar o mesmo trabalho. Assim, a maturidade no trabalho abrange a capacidade e a experiência para realizá-lo, isto é, o sujeito possui o conhecimento, a habilidade e a experiência prática para isso, enquanto que a maturidade psicológica refere-se à atitude do sujeito frente ao mesmo trabalho[19]. A avaliação desse último foco é intensa e inteiramente dependente da sensibilidade do gerente, para interpretar as necessidades do sujeito que trabalha, na medida em que o perfil da atitude depende dos motivos, que impulsionam o comportamento[20].

Se o líder, por exemplo, identificar imaturidade no liderado, seja no trabalho, seja ela psicológica, esses autores propõem uma relação específica voltada para a tarefa. Inversamente, o mesmo processo de avaliação pode identificar maturidade no liderado, sugerindo que se atenue o modelo de relacionamento, dando mais liberdade ao liderado.

Assim, há um cuidado a ser dispensado na inter-relação entre o líder e o liderado, na qual a atenção é dirigida, ora para a maturidade no trabalho, ora para a maturidade psicológica. No primeiro, num dos extremos, basicamente o líder orienta e instrui para a tarefa, enquanto que, no outro extremo, delega as iniciativas e decisões, afrouxando o relacionamento. Na inter-relação dirigida para a maturidade psicológica, o líder apóia, estimula, ouve com atenção, retroalimenta o liderado num extremo, enquanto que, no outro extremo, o liderado fica livre para exercitar a delegação recebida do líder.

Esses autores estão propondo que seja estabelecido um padrão flexível de relacionamento entre o líder e seus liderados, em função do grau de maturidade do indivíduo ou do grupo[21]. Portanto, o líder precisa possuir os atributos de maturidade no trabalho e de maturidade psicológica, a fim de praticar o modelo proposto. Esse fato dificulta bastante a implantação do modelo numa instituição, na qual os gerentes não possuam treinamento suficiente, ou tenham pouca experiência no cargo.

Por tudo que já se argumentou até aqui, é possível afirmar-se que um projeto de implantação de um modelo flexível de gestão, no qual a liderança tenha um enfoque sistêmico, tal como ocorre com a “Situational Leadership”, necessita de tempo, para se operacionalizar a transição. Neste modelo, o que está em pauta é a relação entre líder e liderado num determinado contexto e num determinado tempo e não um modelo idealizado de relacionamento, cuja aceitação e imposição é anterior à própria relação.

Portanto, a imanência que rege a relação sistêmica brota do próprio sistema no aqui e no agora, sendo dependente da conjuntura e da avaliação do líder, e não de alguma fonte transcendental de conhecimento, que sabe a priori o que se passará no destino do grupo social. Os conflitos interpessoais estão em potencial nos interesses de cada um e na relação entre sujeitos, não possuindo causas determinantes e hipoteticamente anteriores como regra de referência para a análise institucional.

Repetindo, o motivo do conflito não está relacionado a uma hipotética essência existente nos lugares espaciais da hierarquia institucional, não faz parte da “alma” do organograma. O conflito nasce no sujeito, em seu inconsciente, e se manifesta na relação com outros sujeitos, independentemente do cargo que ocupam na hierarquia institucional. Imaginar a possibilidade de existir um conflito a priori entre cargos desnivelados na escala hierárquica, é priorizar a “geografia física” em detrimento da “geografia humana”, é fazer da arquitetura social um software previsível em suas repetições, é suprimir o espírito imprevisível do sujeito em sua constante “desordem”, é esquecer a necessidade de auto-realização criativa em busca de nova “ordem”, é conceber os elementos do sistema social com a natureza inerte dos “bit” e das “linhas de programação”, é fazer do sujeito um mero “aplicativo” ordenado por uma espécie de “programa operacional” transcendente.

Se o conflito estivesse na “essência” da hierarquia e determinasse o comportamento do sujeito, ao se desejar contorná-lo, estar-se-ia diante da única solução possível que seria eliminar a hierarquia institucional. Essa seria uma solução fundada na mais completa anulação do sujeito, de suas necessidades, de seus desejos, de seus interesses, de suas possibilidades como profissional. Seria a completa anulação da fundamentação teórica, que direcionou este trabalho, na medida em que as normas e regras institucionais e a garantia de suas aplicações, bem como as diferentes responsabilidades e papéis dos elementos do sistema de gestão, ruiriam junto com o organograma.

Hersey e Blanchard (1986) dão alguma importância às teorias de Eric Berne, psiquiatra americano que, de um certo modo, introduziu conceitos psicológicos compreensíveis para os não iniciados em Psicologia, como, em geral, ocorre com os gerentes de todos os níveis. Berne (1985) escreveu um livro interessante, no qual a visão do relacionamento humano foi retratada no que chamou de Análise Transacional em Psicoterapia. Hersey e Blanchard (1986) exploram pouco as possibilidades da Análise Transacional, focando mais na atitude do líder do que na reação do liderado, durante um relacionamento chamado de inadequado pelos autores.

O objetivo de Berne (1985) parece ser a criação de uma linguagem de fácil entendimento pelo paciente e pelos psicoterapeutas iniciantes, que possibilitasse a transmissão de alguns conceitos e facilitasse a comunicação entre paciente e terapeuta. De qualquer forma, sua abordagem criou um ambiente mais favorável à percepção da complexidade da inter-relação entre sujeitos. Para retratar essa inter-relação, o autor cunhou a expressão “estados do ego”, a partir dos quais descreve o comportamento do sujeito na transmissão e na recepção da mensagem.

O termo estado do ego pretende tão-somente designar estados da mente e seus padrões afins de comportamento tal como estes ocorrem na natureza, e evita, num primeiro momento, o uso de conceitos como instinto, cultura, superego, animus, e assim por diante. A análise estrutural apenas admite que tais estados do ego podem ser classificados e esclarecidos, e que, no caso de pacientes psiquiátricos, este procedimento é bom.[22].

O que se pode notar é uma convergência entre Freud, Hersey e Berne, quando mostram que a variação do comportamento depende de vários fatores, dentre os quais destacaram a conjuntura como um “despertador” da criança, ou da imaturidade, existente nos humanos. Algo acontece, que faz um adulto comportar-se com imaturidade psicológica, denunciando sua dependência da aprovação, e até mesmo do olhar do outro, para manifestar um comportamento dito adequado.

Aquela criança que precisava ser ensinada, a fim de se constituir como sujeito da cultura, quando, para ser protegida, dependia da aprovação e do amor dos adultos, parece eternizar-se na alma humana. Como bem demonstraram Hersey e Blanchard (1986), a maturidade não é uma conquista definitiva do sujeito, depende das circunstâncias para ser sustentada. Tal como Freud (1915) teorizou em sua obra, o inconsciente é atemporal e nele habita o recalcado, que é aquilo considerado pelo sujeito impróprio em seus desejos. Desejos infantis e geradores de atitudes inadequadas constantemente escapam do recalque e produzem o que o psicanalista chamou de sintoma, provocando distorções na percepção da realidade e inadequação nos atos do sujeito[23].

Para Berne, o estado ego pai assemelha-se ao superego freudiano, na medida em que, ao atuar como sensor, desperta uma defesa muitas vezes “patológica” do interlocutor. Ao manifestar essas defesas, o interlocutor está sob o domínio do estado do ego criança, que concentra as emoções do sujeito. O “patológico” estaria, ou na inadequação da emoção, raiva e não amor, ou na intensidade da emoção teoricamente adequada, paixão e não amor, por exemplo.

Alguns autores da Análise Transacional, como Kertész (1985), procuraram mais bem detalhar o conceito de Eric Berne acerca dos estados do ego durante o processo de relacionamento entre sujeitos. Tal como Berne (1974), o autor identifica como análise estrutural a análise do sujeito, enquanto a análise das transações seria uma psicologia social [24]. Na primeira, seriam identificados os estados do ego, cujas manifestações seriam mais constantes no sujeito, enquanto que, na segunda, seriam identificados os deslocamentos dos estados do ego durante uma transação, ou relacionamento, entre sujeitos.

Para este trabalho, importa saber-se que um tipo de análise não sobrevive sem o outro, na medida em que se busca entender o estado do ego do interlocutor, a fim de estabelecer um relacionamento adequado, segundo a Análise Transacional. Kertész (1985) faz uma longa análise das transações e seu livro, procurando mostrar como cada sujeito possui uma posição existencial, que prioriza um dos estados do ego, e como ocorrem os jogos psicológicos entre sujeitos.

Berne (1974) de um modo bem mais condensado, assim se refere aos estados do ego:

Um estado do ego pode ser descrito como um sistema coerente de sentimentos, ou como um conjunto de padrões coerentes de comportamento[25]

Esse autor considera que cada indivíduo tem um repertório limitado de estados do ego, o qual dividiu em três categorias:
(1) estados do ego que se assemelham àqueles das figuras paternas;
(2) estados do ego que são automaticamente dirigidos para uma avaliação objetiva da realidade; e
(3) estados do ego que representam resíduos arcaicos, embora ativos, que foram fixados na primeira infância[26].

Tal como Freud (1923) descreveu o superego[27] em sua obra, Berne (1977) retrata o estado do ego PAI como uma série de atitudes herdadas dos pais, que se manifestam em situações específicas. Essa herança não seria uma fotografia do que realmente ocorreu, mas como o sujeito percebeu o sentido das atitudes paternas. O estado do ego adulto processa dados objetivos da realidade e sua manifestação depende de uma interação com os demais estados do ego.

Também Freud (1911) estabeleceu dois princípios do funcionamento psíquico, princípio do prazer e o princípio da realidade[28], nos quais o conflito entre o que se deseja e o que se pode satisfazer domina o funcionamento do psiquismo. O princípio da realidade, no qual o sujeito elabora o juízo de existência da coisa, a fim de atribuir-lhe sentido e incorporá-la à sua realidade, assemelha-se ao estado do ego adulto, na medida em que, este, permite teoricamente uma avaliação objetiva e independente da realidade.

Freud, no mesmo texto (1911), enfatiza que o princípio do prazer é dominado pelos desejos infantis julgados “proibidos”, ou não, pelo superego do sujeito. Por outro lado, o princípio da realidade garante a sobrevivência do sujeito, na medida em que alguns destes desejos, ao serem realizados, implicam em graves danos pessoais para quem os satisfaz. Do mesmo modo, o estado do ego criança carrega vestígios fixados anteriormente na vida do sujeito, os quais são ativados em dadas situações. O importante da visão de Berne é que ela é sistêmica, ou estrutural, não admitindo a hipótese de um dos estados do ego se manifestar no sujeito isoladamente, a não ser em patologias graves.

As expressões pai, adulto e criança não carregam qualquer enfoque preconceituoso, isto é, a palavra infantil não é empregada com uma conotação indesejável. De muitos modos, a criança é a parte mais valiosa da personalidade, na medida em que pode manifestar encanto, prazer e criatividade.

Berne (1974), assim se refere ao assunto:

O mesmo se aplica às palavras maduro e imaturo. Neste sistema não há tal coisa como uma pessoa imatura. Há apenas pessoas em que a Criança predomina de forma não apropriada ou inadequada, mas todas elas têm um Adulto complexo e bem estruturado que necessita apenas ser descoberto ou ativado. Por outro lado, as pessoas chamadas de maduras são capazes de conservar seu Adulto predominando a maior parte do tempo. No entanto, mesmo nelas, haverá ocasiões em que sua Criança assumirá o controle, e freqüentemente com resultados desconcertantes[29].

Portanto, cada estado do ego predomina em determinadas situações, fazendo a estrutura - Pai, Adulto, Criança - girar de forma muitas vezes imprevisível, tanto para quem envia a mensagem, quanto para quem a recebe, tal com revelou Sfez (1994) em sua Crítica da Comunicação. Berne (1974) representa de forma bastante inteligente a “circularidade” da comunicação, na qual a percepção do estado do ego do transmissor da mensagem desperta no receptor estado do ego muitas vezes surpreendente para ambos. A possibilidade de controle da comunicação, na verdade, é destronada pela emoção, como já foi explanado anteriormente neste trabalho.

Para o texto aqui desenvolvido, no qual predomina uma leitura sobre a influência da avaliação do desempenho na motivação do sujeito, interessa pensar na posição que o avaliador ocupa no sistema transacional. Do ponto de vista da comunicação, importa mais como o liderado interpreta o que faz o avaliador, do que propriamente qual seria a real intenção deste avaliador durante o processo de avaliação. Essa complementaridade será sempre destacada no discurso aqui desenvolvido.

Durante esse processo, o liderado pode posicionar o avaliador como alguém que julga o comportamento, como alguém que aponta o bem e o mal, e não como alguém que pretende ajudar o liderado a crescer no seu trabalho. Nesse caso, o liderado reage como se estivesse sob crítica feroz, desenvolvendo os mecanismos de defesa, aos quais se habituou a manifestar em tais ocasiões. Tais mecanismos impedem que o liderado absorva a crítica como algo construtivo para si, tomando-a como uma ameaça à possibilidade de satisfazer alguma de suas necessidades.

Berne (1974) comenta que a comunicação só é possível quando as transações forem complementares, isto é, quando o transmissor da mensagem recebe um retorno esperado. Assim, por exemplo, um gerente pergunta para o liderado como vai seu trabalho e recebe a mensagem esperada, na qual toma conhecimento e resolve sua dúvida. Nas transações cruzadas, a resposta ocorre contrariando a expectativa do transmissor, que, por exemplo, ao fazer a mesma pergunta, pode ouvir como resposta uma grosseria qualquer do tipo “sei lá!”, ou “você esta insinuando que eu não sei fazer meu trabalho?”. Em cada caso, um estado do ego foi despertado no receptor da mensagem sem o controle do seu transmissor.

Detalhando um pouco mais, no primeiro caso o estado do ego Adulto do transmissor enviou a mensagem, cujo objetivo seria solucionar uma dúvida. Por seu lado, o receptor percebeu a mensagem como simplesmente uma pergunta, e retornou com uma transmissão esperada, isto é, predominou no receptor da mensagem o estado do ego Adulto, garantindo assim a “circularidade” do processo de comunicação. No segundo caso, no entanto, a mensagem foi percebida pelo receptor como uma crítica pessoal oriunda do estado de ego Pai do transmissor, fazendo-o reagir de forma imatura, isto é, o receptor interpretou que o transmissor teria ativado o estado do ego Pai e não o Adulto, o que o fez reagir com o estado do ego Criança, interrompendo a “circularidade” do processo de comunicação.[30]

A proposta de Hersey e Blanchard (1986), embora não destaque a imprevisibilidade da reação do receptor, sugere a possibilidade de se contornar essa dificuldade, na medida em que propõem um sistema de avaliação[31], no qual o líder (transmissor) deve adequar sua mensagem à maturidade do liderado no cargo, ou na atividade. Essa avaliação deve ocorrer antes da transmissão da mensagem, a fim de criar as condições para o que Berne (1974) chamou de transações complementares.

Contudo, esse sistema de avaliação não garante que a reação do liderado será adequada, isto é, será aquela esperada pelo líder, por tudo que foi argumentado neste trabalho. O que sugerem os modelos propostos por Hersey e Blanchard e por Berne é que se criem as condições de possibilidade, para evitar a comunicação cruzada e ocorra uma comunicação complementar, sem garantias infalíveis.

4  SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

Como já foi mencionado anteriormente, um sistema de avaliação do desempenho tem três focos principais, dos quais, um deles é dirigido para os resultados esperados para um processo, outro é dirigido para a atitude do sujeito na realização do seu trabalho e um terceiro que se dirige para o modo de realizar o trabalho.

Portanto, a avaliação do desempenho, tanto se preocupa com os resultados concretos obtidos pelo sujeito no trabalho, quanto verifica se o trabalho foi realizado segundo prescrições específicas e normatizadas, como se interessa pela atitude do sujeito na realização do trabalho. Este último foco é de todo intangível e depende da sensibilidade do avaliador em perceber as sutilezas do comportamento humano.

Se o modelo de gestão buscado pela Instituição é fundado na pró-atividade, isto é, na busca incessante pela identificação das tendências do sistema, para corrigir anomalias, ou para melhorar resultados; se a pró-atividade depende fundamentalmente da motivação do sujeito e, complementarmente de seu conhecimento, de sua habilidade e de sua experiência na realização do seu trabalho; o sistema de avaliação do desempenho precisa estar alicerçado em bases convergentes com este enfoque gerencial.

Pontes (2002) critica o método tradicional de avaliação, no qual o avaliador faz mais um papel de juiz do que de educador. Pelo que já foi comentado anteriormente, o juiz sempre corre o risco de despertar a imaturidade no avaliado, enquanto o educador pode obter o mesmo resultado, caso tente educar alguém capacitado e experiente. A análise ambiental é fundamental, para que os equívocos não determinem o resultado da avaliação.

A questão, portanto, não é ser juiz, ou educador, é ser aquilo que diminui a probabilidade de despertar uma transação cruzada e crie as condições que possibilitem a transação complementar e a “circularidade” na comunicação. Como já foi argumentado anteriormente, a observação da realidade é sempre um processo subjetivo, no qual o real é interpretado e representado simbolicamente, o que coloca em risco os métodos chamados de objetivos de avaliação do desempenho.

Pontes (2002) procura diminuir a incidência da subjetividade no processo de avaliação, chamando a atenção para a necessidade de se admitir a subjetividade e usá-la como aliada.

O processo de comunicação é ainda mais complicado quando o julgamento do desempenho é feito com base em fatores subjetivos, como: iniciativa, criatividade, entre outros. O melhor papel a ser desempenhado pelas lideranças é, justamente, o oposto – o de educar, estimular e desenvolver –, um verdadeiro assessor do funcionário, na busca dos resultados desejados pela organização, que apregoa o método por objetivos. Acrescente-se a isso que a metodologia de avaliação por objetivos pressupõe o estabelecimento de acordos antecipados quanto aos resultados desejados, e a avaliação é realizada com base nesse acordo, o que certamente contribui no processo de comunicação líder/funcionário.[32]

Na transcrição acima, é possível identificar que dois assuntos são tratados, isto é, Pontes fala de como contornar os fatores subjetivos, orientando o líder a desenvolver uma atitude de educador, na medida em que ele sabe o que ensinar, o porquê e o quando. Para isso, esse líder precisa manifestar os atributos de conhecimento, habilidade, atitude e experiência no trabalho específico, a fim de desempenhar um papel com tal complexidade. Portanto, a escolha daqueles que ocuparão cargos, nos quais uma das responsabilidades seja avaliar o desempenho, deve ser bastante cuidadosa.

Além disso, segundo esse autor, a avaliação deve se processar tomando como referência os objetivos acordados antecipadamente entre avaliador e avaliado. Esse fato cria as condições para transformar o avaliado em participante do processo de avaliação, na medida em que a auto-avaliação pode ocorrer antes da avaliação do desempenho propriamente dita, potencializando as possibilidades de transformação do modelo de gestão.

Ao se falar de objetivos acordados, inevitavelmente se é levado a percorrer as palavras de Freud (1911) sobre o acordo entre os irmãos, no sentido de pacificar a relação na “horda primeva”, e mesmo as de Davis (1982) ao descrever as observações de Piaget sobre o amadurecimento moral das crianças. Tanto numa situação, como na outra, a relação foi pacificada através de um acordo entre as partes, superando o modelo de imposição existente anteriormente.

Nessa perspectiva, é possível se compreender o porquê das transações desenvolvidas entre estados do ego chamados de Adulto, passarem obrigatoriamente pelo acordo entre os sujeitos, a fim de possibilitar transações complementares. São fatos que confirmam as observações de Heidegger (1988) sobre o ser no mundo (Dasein), que atribui sentido às coisas, os comentários de Ricardo Jardim Andrade (1994) sobre a observação da coisa, onde a subjetividade e o desejo do observador predominam, e Deleuze e Guattari que apontam para o plano imanente da subjetividade, a partir do qual as “verdades” são construídas. Sem um acordo sobre o sentido da coisa, não há possibilidade de entendimento, não há possibilidade de se incorporar coisa e sentido à cultura.

O que o sujeito chama de transcendência não é mais que o acordo, que organiza a cultura, herdado e transformado pelas gerações sucessivas. A Transcendência, o Espírito, não admite entendimento, situa-se no vazio, no impronunciável, na fé. Se existe um “pecado” original é quando o sujeito coloca na Boca Transcendente as palavras da sua boca imanente, numa tentativa de impor uma visão de mundo sobre outras visões do mesmo mundo.

Como se jogasse bola de gude, o sujeito tenta impor suas regras, numa tentativa de garantir que o mundo funcione segundo sua visão e lhe permita “vencer sempre” o “jogo” da vida. Assim, o “mal” estaria sempre no outro, cujas regras são “diabólicas” e “destruidoras” da “moral transcendente”, que protege “a mim” e me garante o “bem” e um “lugar” especial no depois do aqui e do agora.

Pontes (2002) enfatiza a necessidade de se avaliar o processo gerador de resultados, na medida em que este processo retrata “o como fazer” o resultado. Um “modo de fazer” está sempre submetido às regras da cultura, que não aceita “o fim justifica os meios”. Um processo retrata um “modo de fazer” correto, a fim de se obter o resultado esperado.

O resultado esperado será “bom” em termos espaciais, caso se ajuste a outros resultados produzidos “no mesmo tempo”, e será “bem” se o “modo de fazer” corresponder às regras acordadas naquele momento. Como exemplo, poderia citar-se a preservação ambiental, que, hoje, é mais um atributo do “bem fazer”, mas que, num passado recente, não era considerada no “modo de fazer” os resultados esperados. Assim, “modo de ser” e “modo de fazer” se confundem historicamente, e serão um bem, ou um mal, segundo as regras acordadas pela cultura no momento da avaliação. Mais uma vez, Heidegger (1988) está presente na perspectiva do ser e do tempo.

Bergamini (1988) chama a atenção para o que nomeou de prognosticadores, que, em suas palavras, “são traços objetivamente constatáveis”[33]. Como se sabe, prognóstico é uma conjetura, uma predição, uma antevisão do desenvolvimento de algo, não envolvendo certeza, mas probabilidade de ocorrência. Portanto, o autor pode estar sugerindo que a “objetividade da constatação” passa pela “subjetividade” da observação e da interpretação.

Assim sendo, os referenciais ditos objetivos seriam aqueles acordados antes do processo de avaliação, não obstante se reconheça a dose de subjetividade existente no processo de acordo. De qualquer forma, há necessidade de se estabelecer referenciais considerados objetivos pelo avaliador e pelo avaliado, a fim de diminuir a intensidade da subjetividade e a possibilidade de transações cruzadas. Tais referenciais, portanto, devem compor os atributos do produto (resultado esperado) e do processo (modo de fazer).

5 O ACORDO E AS METAS

Como já foi insistentemente apresentado acima, um processo é uma maneira pela qual se realiza uma operação, segundo determinadas normas, método e técnica. Cruz (2003) dá um passo além e emprega o que chamou de definição clássica de processo:

Processo de Negócio é o conjunto de atividades que tem por objetivo transformar insumos (entradas), adicionando-lhes valor por meio de procedimentos, em bens e serviços (saídas) que serão entregues e devem atender aos clientes [34].

Se o processo é um conjunto de atividades, não seria possível realizar o processo sem que tais atividades estivessem articuladas de algum modo. Assim um processo possui também uma estrutura, isto é, possui regras que estabelecem o modo de relação entre as atividades. Tal como os signos na lingüística de Saussure (1910), uma atividade só tem sentido em sua articulação com outra atividade do processo, formando uma cadeia produtora de sentido.

Assim sendo, o sentido do processo é dependente da existência de cada atividade, mas, principalmente, na articulação existente entre elas, como já foi mencionado na visão sistêmica da realidade. Um processo, portanto, tem caráter sistêmico e, como uma linguagem, está submetido à sincronia (articulação) e à diacronia (tempo e sentido).

O exemplo clássico é quando surge uma nova tecnologia, permitindo realizar uma atividade de modo mais rápido, com menos custo e com menos esforço. Alterando-se um elemento do sistema, todo sistema é alterado, mostrando que, como na linguagem, sincronia e diacronia são inseparáveis e influem diretamente nos referenciais de sentido, de compreensão e de avaliação do processo.

O humano, portanto, está submerso na linguagem e na produção incessante de sentido. Se um sujeito realiza determinada atividade e não percebe sua articulação com as outras atividades, seu mundo se resume ao foco estreito do seu fazer. Quando levanta a cabeça, percebe, mas não entende o sentido da existência das outras atividades. Seriam elas favoráveis, ou desfavoráveis, à satisfação de suas necessidades? Será que o sujeito da outra atividade reclama do que faço, para me prejudicar?

Um processo de negócio é como um texto. Se uma frase for retirada de um texto, isoladamente, perde o sentido a ela atribuído pelo autor deste texto. Assim é com uma atividade. Fora do (con)texto do processo, ela perde o sentido atribuído pela linguagem institucional, isto é, pela cadeia de atividades existentes na instituição. Esse seria o contrato mais confiável com as transações cruzadas e a impossibilidade de acordo entre o avaliador e o avaliado, entre o sujeito e a instituição. É também uma garantia de conflito entre a percepção da possibilidade de satisfação das necessidades individuais e a possibilidade de satisfação das necessidades institucionais.

Quando se fala na superação dos feudos, do cada um por si, e se propõe a administração sistêmica por processos, está-se indicando o caminho da linguagem, o caminho da pacificação nas relações institucionais; o caminho no qual nada faz sentido isoladamente, isto é, nada tem um sentido que transcenda o contexto. Com esse entendimento, é possível criar-se, ou instituir-se, valores para o controle das atividades, para o controle do processo, para o controle das especificações do produto deste processo, para o controle da confiabilidade e aceitação deste produto.

Como se pode ver, avaliar corresponde a uma ação da atividade[35] controle. Nessa atividade, identificam-se diferentes causas para as possíveis anomalias encontradas, a fim de se decidir pelas correções adequadas. Nesses termos, é possível existir dentre essas causas a ação direta e equivocada do sujeito sobre o processo, ou sobre o produto. Portanto, a avaliação do desempenho dos recursos humanos é parte integrante do sistema de controle de uma instituição, carregando em si os objetivos da instituição. Estruturar uma avaliação do desempenho divorciada do controle dos processos e dos produtos é retirar a frase do (con)texto, alterando-lhe o sentido.

Camacho (1984), em sua Psicologia Organizacional, não faz uma distinção muito clara entre atividade e tarefa, embora possamos entender que atividade esteja relacionada com um conjunto de ações de mesma natureza a serem realizadas por diferentes sujeitos e tarefa com uma ação, ou ações, específicas realizadas por um sujeito durante seu trabalho. Ambas, atividade e tarefa, são mensuráveis, estando sujeitas à avaliação.

Nesse sentido, este autor refere-se à tarefa como “uma ação ou conjunto de ações que levam a um resultado”[36]. Para ele, tarefa é também considerada como o menor conjunto indivisível de ações. Indivisível na medida em que se um sujeito fizer uma parte e um outro a outra parte do conjunto de ações, não será possível se identificar de quem é a responsabilidade pelos resultados alcançados na tarefa.

Tanto o conjunto de atividades, quanto o conjunto de tarefas, possuem o atributo de processo, cabendo ao primeiro conjunto o termo macro-processo e ao segundo processo simplesmente. Desse modo, tanto a tarefa, quanto a atividade, têm um modo de fazer, acordado e considerado como padrão, como têm um resultado previsto para o respectivo conjunto de ações.

O modo de fazer serve como o primeiro referencial acordado de avaliação do desempenho. O resultado esperado é considerado como o produto do conjunto de ações e tem como finalidade satisfazer uma necessidade de um cliente interno, ou externo à instituição. As especificações desse produto são acordadas entre quem o produz e quem se beneficia dele, passando a servir como o segundo conjunto de referenciais para a avaliação do desempenho.

O terceiro referencial parece ser o mais importante, na medida em que mede indiretamente a satisfação do cliente com o produto recebido. Esse referencial refere-se ao comportamento do produto durante seu uso. Todo cliente tem sempre uma expectativa de como o produto vai se comportar durante o uso. Essa expectativa não se caracteriza como uma exigência “mágica” de um cliente todo poderoso, mas passa, também, por um acordo entre produtor e cliente, antes mesmo do produto ser produzido.

Portanto, ao se especificar um produto, tanto cliente, quanto produtor, têm a mesma expectativa em relação à conformidade do produto às referências espaciais, qualitativas e temporais acordadas para sua produção e ao seu comportamento durante o uso. Esse comportamento é chamado de garantia de funcionamento entre falhas.

Essa é uma das funções da análise da confiabilidade, o que contribui para justificar o estudo desenvolvido neste trabalho, na medida em que a confiabilidade de um sistema físico depende da confiabilidade do sistema de gestão e, necessariamente, o sistema de gestão depende do comportamento[37] do sujeito.

No sistema de gestão, os elementos são seres humanos, cujo comportamento obedece a referenciais diferentes daqueles próprios dos sistemas físicos. Contudo, o princípio que indica o estudo do relacionamento entre os elementos do sistema, que se acrescenta ao princípio de análise de cada elemento, a fim de se identificar e avaliar a função e o funcionamento do sistema, é fundamental e primário nas duas abordagens.

Camacho (1984) chama a atenção para a necessidade de se descrever os diferentes cargos existentes na instituição, a fim de que se realize o planejamento de recursos humanos sobre bases sólidas. Referindo-se à descrição de uma tarefa, o autor orienta que:

Uma tarefa deve conter os seguintes elementos: dados de identificação, sumário, descrição, resultado esperado, padrões de desempenho, conteúdo de treinamento, material para realizá-la e nível de complexidade.[38]

Assim, existem referenciais para uma avaliação direta e objetiva do sujeito, bem como os que indicam as condições necessárias para a realização da tarefa e obtenção dos resultados esperados. Cada avaliador deve discernir acerca das causa e das condições, a partir das quais os resultados foram obtidos. É possível, ainda, identificar nas palavras desse autor o seu enfoque sistêmico, na medida em que sinaliza para um resultado esperado. Como foi descrito acima, resultado esperado e produto se confundem em suas definições.

No entendimento do autor deste trabalho, o enfoque sistêmico estaria garantido com a inclusão de mais um item na análise da tarefa proposta por Camacho (1984), ou seja, esclarecer quem se beneficia do produto da tarefa e quem fornece os insumos para sua realização. Este autor não se refere às condições para a realização da tarefa, mas sim no que a tarefa agrega valor durante sua execução. O enfoque sistêmico depende de se conectar o agora, o antes e o depois, a fim de se construir a cadeia produtora de sentido.

Outro aspecto interessante que Camacho (1984) revela, trata-se do conteúdo do treinamento. Como se sabe, os objetivos educacionais são inteiramente direcionados para a obtenção de um comportamento desejado[39]. Esse comportamento não teria sentido se não fosse por sua finalidade, isto é, as ações realizadas numa tarefa qualquer se destinam à obtenção de um produto determinado.

Dentre os objetivos educacionais, encontramos os objetivos operacionalizados, que possuem atributos específicos, na medida em que se destinam ao processo de avaliação do aprendizado. Em sua absoluta coerência, tais objetivos são divididos em comportamento, condição e critério. Comportamento sendo relacionado ao conjunto de ações e ao modo de realizá-las; condição, como o nome revela, são as condições necessárias, para que o sujeito possa manifestar o comportamento esperado; critério refere-se ao grau de precisão esperado para o produto das ações.

Cada um dos aspectos dos objetivos operacionalizados é direcionado a um aspecto da tarefa: comportamento para o conjunto de ações; condição para a condição de realização; critério para o resultado esperado. Portanto, desde o pós-guerra, a taxionomia de Benjamin Bloom sobre os objetivos educacionais já sugeriam que a avaliação do desempenho deveria ampliar seu foco de observação para além do mero comportamento. Comportamento sem finalidade assemelha-se a um ritual sem sentido objetivo, correndo o risco de se repetir por força transcendente da compulsão.

Por mais paradoxal que possa parecer, nas instituições hierarquizadas, verticais e setorizadas é comum um entrevistador deparar-se durante uma entrevista de análise do trabalho com um “não sei para que serve o meu trabalho”, com um “assim é feito por que está escrito”, com um “não estou aqui para discutir com meu chefe”. São casos onde, claramente, não ocorreu um acordo entre as partes, onde não há retroalimentação, onde não há nenhum modelo de garantia para a qualidade do trabalho e do seu produto, não há sistema de avaliação.

Cabe aqui uma pergunta: neste caso, como será desenvolvida a avaliação do desempenho, onde os referenciais são tão obscuros? De modo geral, nessas instituições há uma descrição informal do que seja um comportamento “ideal” e toda avaliação se sustenta na subjetividade do avaliador. Mesmo havendo formulários de avaliação estruturados segundo normas mundialmente conhecidas e aprovadas, a palavra dos entrevistados pode contrariar a intenção do sistema de avaliação, deduzida da interpretação do modelo de formulário adotado. As respostas acima exemplificadas sinalizam para a desmotivação existente, ou em potencial, na instituição.

Chiavenato (2001) faz um estudo pormenorizado acerca de como desenhar cargos e sua relação com a avaliação do desempenho, seguindo as idéias já bastante conhecidas e explanadas pelos autores anteriormente citados e explicitadas neste trabalho. Contudo, também em seu texto, percebe-se uma tentativa uma tanto discreta de pontuar a necessidade de um enfoque sistêmico para tais assuntos. Tal como em Camacho (1984), Pontes (2002) e em Bergamini (1988), ocorrem algumas omissões sobre a relação entre os elementos do sistema, bem como sobre a finalidade das ações e em sobre o que a tarefa agrega valor.

A partir da abordagem desses autores, acredita-se haver necessidade de se ampliar o foco da avaliação do desempenho e do que será acordado como objetivo e meta, a fim de se obter um enfoque sistêmico mais consistente.

Camacho (1984) e Chiavenato (2001) chamam a atenção para a complexidade do que está sob o foco da avaliação do desempenho. São sujeitos complexos realizando tarefas com diferentes graus de complexidade. Considerando a complexidade do sujeito já bastante discutida neste trabalho, destaca-se a observação sobre a complexidade do trabalho.

Para se identificar as condições para a realização do trabalho, há necessidade de se esclarecer algumas características de sua realização. Algumas tarefas são estruturadas, isto é, estão submetidas à linearidade lógica cartesiana, enquanto, outras, possuem doses de incerteza e complexidade variáveis, sendo consideradas semi-estruturadas e não estruturadas.

Não seria possível um sistema de avaliação do desempenho efetivo, caso não partisse da análise da tarefa e levasse em conta o sentido de sua realização. Nessa análise, devem estar explicitadas: sua complexidade, as condições necessárias para a realização da tarefa, seqüência de ações, resultados esperados, clientes de seu produto e os fornecedores de insumos para a tarefa.

Camacho (1984) sugere uma graduação para a complexidade da tarefa[40], na qual diferentes aspectos devem ser analisados. A complexidade da tarefa decorre de algumas exigências de conhecimento, habilidade e atitude, a fim de realizá-la e obter seu produto com as especificações estabelecidas. A graduação proposta por esse autor permite desenvolver modelos de treinamento e de avaliação do desempenho adequados às diferentes tarefas, ou atividades, desenvolvidas na instituição.

Uma tarefa possui vários aspectos a serem explicitados. No aspecto relacionamento, é preciso definir se ocorre uma interação maior com dados, exigindo uma variada capacidade de interpretação, com pessoas, onde a intensidade desta relação deve ser identificada, ou se a relação se dá entre o trabalhador e seu instrumento de trabalho. As tarefas, de modo geral, possuem todos esses aspectos, tornando necessário estabelecer-se o índice de significância do principal aspecto da tarefa.

Existem, ainda, certos conhecimentos e habilidades básicos, que são necessários para a realização da tarefa, tais como a capacidade de realizar com sustentação teórica, próprio dos cargos mais elevados na hierarquia da instituição, e a capacidade de representação da realidade, seja numa linguagem matemática, seja numa linguagem discursiva.

Finalmente, dois aspectos decisivos são explicitados, o grau de liberdade no planejamento e execução da tarefa e a conseqüência dos erros cometidos pelo executante. Esses aspectos, finalmente, definem a importância da tarefa e a maturidade de seu executante.

Todas são informações indispensáveis, no sentido de se definir as condições para a execução da tarefa. Uma simples comparação com o perfil do executante, permitirá ao gerente (avaliador) discernir sobre a necessidade de treinamento específico, antes de se designar o executante para um determinado cargo, no qual a tarefa em pauta compõe o eixo de sua estrutura.

Portanto, de um lado há os requisitos para a execução de uma tarefa, ou atividade, enquanto que, de outro, há o perfil atual do executante. Foi a partir dessa relação que Hersey e Blanchard (1986) construíram a teoria sobre a maturidade do executante da tarefa e a atitude do gerente na prática de sua liderança. Assim, há uma referência formal acerca da complexidade da tarefa, bem como a intensa participação da experiência do gerente, a fim de possibilitar a identificação, tanto a maturidade no trabalho, quanto a maturidade psicológica, do liderado. São condições que, necessariamente, tendem a evitar o mal entendido no processo de gestão.

Numa cultura, só é possível ser pró-ativo quando se conhece seus valores e seu modo de funcionar. Tais referências devem estar formalizadas em sua maioria, a fim de permitir ao sujeito descobrir os caminhos possíveis para sua satisfação. É no domínio da linguagem que a liberdade se encontra, na medida em que é no acordo sobre a representação da realidade que a relação se pacifica.

A mesma lei que aprisiona a satisfação indiscriminada de todas as satisfações, permite ao sujeito agir de acordo com as normas, a fim de sustentar sua liberdade para satisfazer as necessidades possíveis.

Assim sendo, um sistema de avaliação do desempenho precisa levar em conta todas as sutilezas do sujeito, tais como as emoções, as necessidades básicas, os motivos, o modo de perceber a realidade, o modo de estabelecer relacionamentos, o modo de ser diante da realidade, o conhecimento, a habilidade, bem como ter bastante clara as exigências do cargo. Isto é, a descrição do cargo, seus requisitos, sua complexidade, seus produtos, seus clientes e fornecedores, além de avaliar se as condições para a realização das tarefas referentes ao cargo foram disponibilizadas.

Com todas as referências acordadas e praticadas, criam-se as condições de possibilidade para que os sujeitos transitem pelo universo cultural da instituição de forma tranqüila e segura. Regras, valores e resultados esperados são praticados num clima onde existem as condições necessárias para a harmonia das relações interpessoais, pacificando-as. A paz e o sossego, a superação do conflito, dependem da convergência na percepção das possibilidades de satisfação das necessidades do sujeito e da instituição.

Só existe liberdade onde há confiança; só existe confiança onde há acordo; só existe acordo onde há liberdade. Liberdade que permite ao sujeito trocar necessidades com outro sujeito, sem usurpar-lhe a liberdade. Liberdade que permite discordar, reanalisar, recriar, reinventar, reorganizar, replanejar, repensar, redirecionar, redefinir, portanto, mudar de idéia sempre que preciso, propor novos métodos para fazer a mesma coisa, sugerir novas especificações para a coisa, escutar a queixa do cliente sobre a coisa, trocar pontos de vista, acrescentar sempre mais e mais valor no que pensa, no que planeja, no que faz e no que controla, fugindo, escapando, evitando, o etnocentrismo, o preconceito, as regras e resultados impostos, a cegueira diante do sistema e da complexidade existente em tudo o que se refere ao ser humano, ao sujeito.

A relação não é cartesianamente entre sujeito e objeto representado. O processo de troca afetiva e de troca de entendimento ocorre entre sujeitos sujeitados à complexidade de suas naturezas e à “circularidade” da comunicação.

6  CONCLUSÃO

Tendo sido considerado o impulso interno como fundamento teórico do fator motivador do sujeito e da singularidade de suas percepções da realidade que o rodeia, foi possível concluir que o conflito entre os impulsos de diferentes sujeitos, bem como a diversidade de percepções da mesma cena, gera um enorme potencial de mal entendido no diálogo entre sujeitos. Contudo, esse mal entendido pode ser amortecido pelo vai-e-vem contido na “circularidade” da comunicação, que é o que sustenta a busca da produção de um sentido facilitador do entendimento e de um acordo entre as partes do diálogo.

Assim, a diferença de percepções entre o líder e aquele que colabora com seu trabalho pode ser um fator determinante de mal entendido gerador de desmotivação, na medida em que a falta de entendimento entre as partes interrompe a “circularidade” do diálogo e causa desconforto para ambos. Considerando que o mal entendido no relacionamento entre sujeitos é estrutural, o que se busca neste trabalho é delinear algumas medidas relacionadas à avaliação do desempenho, a fim de identificar as suas existências nas Instituições analisadas.

Considerando as singularidades das culturas organizacionais e das situações analisadas, tais medidas devem ser entendidas como um balizador, uma referência, para permitir que a busca do entendimento circule pela Instituição. Em nenhum momento deve ser entendido como o único caminho transcendente a ser seguido, na medida em que diferentes positividades estão em curso no aqui e no agora, inclusive aquelas alienadoras da relatividade entre os ângulos de visada escolhidos pelos sujeitos, para observar os acontecimentos que afetam suas vidas.

Portanto, é possível se considerar que o limite dessas medidas está nas condições que favoreçam a superação do mal entendido e facilite o acordo entre as partes. De modo algum será entendido que tais medidas garantem o bem estar institucional, na medida em se trata de sujeitos e não de “chips”, memórias, “HD, ou “de outro elemento qualquer de um sistema físico. Um “HD” não tem dor de dente, não fica resfriado, não desconfia da intenção do outro elemento do seu sistema, não tem TPM, nem filhos drogados.

O elemento do sistema gerencial é um sujeito singular e imprevisível em seus desejos, intenções, valores e humores. O que se pode fazer é criar as condições para que o entendimento seja possível, jamais pode ser garantido. O que permite um acordo sobre o sentido, que permite um entendimento, mesmo que precário, está no diálogo, na “circularidade” da comunicação, na dinâmica do relacionamento entre os sujeitos.

A causa do motivo, portanto, é um impulso interno gerador de necessidade existente no sujeito. Esse impulso possui algumas características, dentre as quais se pode citar sua intensidade e seu destino, que é a satisfação da necessidade que o acompanha. Para que a satisfação da necessidade ocorra, é preciso que algumas condições estejam presentes. Dentre elas estão a percepção favorável sobre a situação, na qual o impulso será direcionado para aquilo que o satisfará, e a liberdade para manifestar um comportamento coerente com a personalidade do sujeito, isto é, um modo de ser, cujo objetivo é esta mesma satisfação.

Portanto, o motivo tem uma causa no impulso interno e precisa de certas condições favoráveis, para se manifestar como motivação. Do ponto de vista sistêmico, essas condições devem ser observadas nas regras de relacionamento entre os elementos do sistema gerencial e na dinâmica deste relacionamento. As regras devem estar claras e resultarem de um acordo entre os sujeitos, seja no que se refere ao o que fazer, seja no modo de fazer, seja quanto aos resultados do que será feito. Quanto ao por que fazer, cada sujeito terá seu motivo, terá sua necessidade com uma intensidade específica a energizar o seu comportamento.

A percepção de um ambiente favorável à satisfação das necessidades também passa pela dinâmica de relacionamento entre sujeitos, entre líder e liderado. Essa dinâmica estará balizada pela transação complementar e pela avaliação da maturidade das partes, seja o líder, seja o liderado. A transação cruzada faz parte do mal entendido a ser superado pelo diálogo entre os sujeitos.

A Avaliação do Desempenho faz parte da dinâmica do processo de relacionamento, na medida em que as partes avaliam a sucessão de mal entendidos na busca do entendimento. Como foi exposto neste trabalho, é necessário que haja um acordo entre líder e liderado sobre o modo de ser de cada um, sobre as regras que balizarão o relacionamento e o trabalho, e sobre os resultados a serem alcançados por aquele que realiza o trabalho. A existência dessas condições permite a auto-avaliação do sujeito, diminuindo a probabilidade de transações cruzadas.

Desse modo, a pró-atividade no processo produtivo depende de vários fatores, cuja existência permite supor se o ambiente analisado é favorável, ou não, à manifestação de um comportamento dito motivado, fundamento de qualquer ação objetiva e positiva realizada por um sujeito numa Instituição.





[1] Confiabilidade de um produto é medida pelo tempo que realiza sua função sem apresentar falha. Especificação corresponde a valores aos quais o produto deve estar conforme.
[2] Um produto pode ser um bem, um resultado de um serviço, uma informação, ou mesmo um plano, dentre outros passíveis de medição objetiva.
[3] BERGAMINI, C; BERALDO, D, G, R. Avaliação de desempenho humano na empresa. 4ed. São Paulo: Atlas, 1988. p. 76.
[4] BERGAMINI, op. cit.. p. 76.
[5] Neste trabalho, Eficiência é definida como o fazer cumprindo uma padronização, isto é, realizar o trabalho segundo a descrição do cargo; Eficácia é a obtenção da especificação e da confiabilidade esperada para o produto. Efetividade é a conjugação positiva da eficiência com a eficácia.
[6] O que, por que, quem, quando, onde e quanto custará.
[7] BERGAMINI, op. cit., p.77.
[8] ibid, p.77.
[9]HERSEY, P; BLANCHARD, K. H. Psicologia para administradores de empresa: a teoria e as técnicas da liderança situacional. São Paulo: EPU, 1986. p. 52.
[10]SAUSSURE, F. Curso de lingüística geral. 26 ed. São Paulo: Cultrix, 2004, p.87.
[11] SAUSSURE, op. cit. p.133.
[12] ibid, p.133.
[13] Freud, S. La negación (1925). In: Sigmund Freud Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1990, 24v, vol. XIX, p 254.
[14]SFEZ, L. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 1994, p. 59.
[15] SFEZ, op.cit. p.65.
[16] SFEZ, op.cit., p.67.
[17] Em português, Liderança Situacional.
[18] HERSEY, op. cit., p.188.
[19] HERSEY, op. cit., p.195.
[20] Neste trabalho, as definições de conhecimento, habilidade e atitude são as seguintes: conhecimento é a capacidade de representar a realidade através de símbolos a ela relacionados; habilidade é a capacidade de transformar a realidade segundo um objetivo determinado; atitude é o modo de ser diante da realidade.
[21] HERSEY, op. cit., p. 193.
[22] BERNE, E. Análise transacional em psicoterapia. 2 ed. São Paulo: Summus, 1985.p. 25.
[23] FREUD, op.cit, v.XIX, p.161-176.
[24] KERTÉSZ, R. Análisis transaccional integrado. Buenos Aires: IPPEM, 1985. p. 123.
[25] BERNE, E. Os jogos da vida. São Paulo: Artenova, 1974.1977, p.25.
[26] BERNE, op.cit. p.26.
[27] FREUD, S. El yo y el ello (1923). In: Sigmund Freud Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1990, 24v, vol XIX, p. 30-40.
[28] FREUD, S. Formulaciones sobre los dos princípios Del acaecer psíquico (1911). In: Sigmund Freud Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1990, 24v. v. XII, p 217-232.
[29] BERNE, op. cit., p.28.
[30] BERNE, op. cit. p 30 e seguintes.
[31] HERSEY, op. cit., p.374.
[32] PONTES, B, R. Avaliação do desempenho - nova abordagem. 8ed. São Paulo: LTR, 2002. p.98.
[33] BERGAMINI, C; BERALDO, D, G, R. Avaliação de desempenho humano na empresa. 4ed. São Paulo: Atlas, 1988. p.86.
[34] CRUZ, T. Sistemas, métodos e processos. São Paulo: Atlas, 2003. p.63.
[35] Neste trabalho, atividade significa o conjunto de ações de caráter perene, executadas de forma coordenada, cujo resultado, em cada período de tempo orçamentariamente fixado, contribui para o atendimento de uma necessidade administrativa ou operacional. Tais ações são geralmente essenciais para o funcionamento contínuo das organizações. A Atividade tem objetivos concretos que podem ser medidos qualitativa e financeiramente, não é limitada no tempo e propicia o funcionamento de um órgão na consecução de suas atribuições.
[36] CAMACHO, J. S. Psicologia organizacional: uma abordagem sistêmica. São Paulo: EPU, 1984. p.19.
[37] Integra em sua manifestação o conhecimento, a habilidade e a atitude do sujeito diante da realidade.
[38] CAMACHO, op. cit. p.20.
[39] BLOOM, B. S.; et all.. Taxionomia dos objetivos educacionais: domínio cognitivo. I. Porto Alegre: Globo, 1973.
[40] CAMACHO, op. cit., p. 117-127.

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